Nem eu nem ninguém devemos nada ao Neymar

Depois do jogo, uma reflexão para juntar-se a tantas outras, na coluna de sábado (02/12)

Convém escrever essa crônica logo depois da derrota do Brasil para a seleção de Camarões. Desta forma, fica menos “partidária”. Ainda assim, vou falar de dois clichês: Neymar e as críticas a ele.

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Consegui torcer para a seleção brasileira depois de algum tempo em que não consegui me conectar. Repare: não fiz birra. Simplesmente não pude me conectar. Com tudo o que aconteceu no Brasil desde 2013, pareceu esquisito torcer para o sketch que representava o Brasil. Destoava da percepção que tinha, desde os gastos exorbitantes com estádios da Copa de 14. Não gosto da Fifa e não gosto de copas suntuosas em países periféricos. De alguma forma, construir um estádio suntuoso no ermo mostra que problemas de infraestrutura são uma decisão política, como ter metade do país sem esgoto e água encanada.

Há anos, minha opinião sobre o ídolo Neymar flutuam. Hoje, aos 43, tendo visto o craque jogar por 20 anos, entendo que não devo nada a ele. E ele não nos deve nada – e o trocadilho não é intencional. Fora as questões fiscais, sobre as quais não sou especialista, entendo que Neymar pode – e deve – viver sua vida como quiser. E isso é tanto respeito quanto lhe devo: o mesmo que devo a qualquer pessoa.

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Em tempos de Copa do Mundo, vejo defensores do atacante defenderem que seu papel é central na seleção, que não interessa se gosto dele ou não, que deveria reconhecer seu valor e calar-me, que vale apenas seu talento futebolístico e nada mais.

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Também sempre ouço, por outro lado, que “nunca é só um jogo”. Como, então, desconsiderar sua conduta? Pra que eu voltasse a torcer, foi fundamental reconhecer um “novo ídolo”, uma pessoa com a qual melhor me identifico. Não é só um jogo e eu não quero só um goleador. Quero alguém que, minimamente, conecte-se à nossa realidade. Que tenha visão da nossa situação, que reconheça como a anticiência levou-nos a perder irmãos, que entenda o seu imenso privilégio – senão como homem branco – como jogador de futebol reconhecido pelo mundo e o impacto que sua imagem e atitude têm.

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Não desejo mal algum, entendo sua importância tática, seu impacto na juventude do país e, por isso mesmo, entendo que Neymar e eu estamos quites. Que faça o que quiser com o privilégio que alcançou. Não preciso que seja um Lewis Hamilton, que também teve seu momento de imaturidade e converteu-se numa voz forte por igualdade. Só não quero que me cobrem uma dívida que não reconheço ter.

Neymar é um profissional da bola, que tem mais uma oportunidade num imenso congresso de futebolistas. Que seja bem sucedido, que não se machuque grosseiramente, como já o infligiram outras lesões. Mas a minha turma, em especial, é aquela em que anda o Richarlison, cujas ações como ídolo de uma nação não são tão embaraçosas como prometer, a um fascista, uma homenagem por ocasião de um gol.

Esta é uma coluna de opinião e não reflete o posicionamento da i7 Network.